INTRODUÇÃO

Não é a primeira nem a última vez que ouvimos dizer “o que posso fazer para que o meu coelho não tenha medo de mim”, “o que posso fazer para que o meu cão não tenha medo dos ruídos da casa”, “o meu porquinho-da-índia assusta-se quando lhe pego” ....

E depois, quando vamos a uma feira de animais de estimação (cães, gatos, coelhos...) vemos que estes animais estão totalmente calmos: comem, bebem, dormem e tratam-se sem que nada pareça perturbá-los (sobretudo os animais pequenos), será magia? Há muita gente e barulho! Não, isto chama-se dessensibilização e é uma das melhores coisas que um criador responsável pode fazer.

O QUE É A DESSENSIBILIZAÇÃO?

A RAE define-a da seguinte forma (e não podia ser mais exacta): Técnica de modificação do comportamento que consiste em eliminar respostas ansiosas a estímulos ou situações fóbicas, através da exposição progressiva ou massiva aos mesmos. Parte-se do princípio de que o organismo se habitua gradualmente ao estímulo fóbico ou esgota todo o medo do mesmo após uma exposição total e súbita.

No fundo, trata-se da mesma coisa: efetuar um processo gradual de modificação do comportamento de um animal para que este perca o medo de situações que vivenciará no seu dia a dia.

COMO É FEITA A DESSENSIBILIZAÇÃO DE UM ANIMAL?

Os animais podem ter (tal como os humanos) uma certa predisposição para reagir negativamente a ruídos e situações desconhecidas ou diretamente relacionadas com situações negativas: maus tratos (sendo muito comum o medo de um ou outro sexo), dor (alguém lhes tocou num sítio que lhes doeu muito ou um ruído foi associado a essa dor)...

Uma das principais tarefas de um criador responsável é, precisamente, realizar um bom processo de dessensibilização antes da entrega do animal; isto é feito para que o processo de adaptação e socialização do animal seja o mais fácil possível, para prevenir problemas de saúde associados ao stress e para facilitar a vida do dono. Muitos donos não sabem como lidar corretamente com as fobias ou medos dos seus animais e podem involuntariamente aumentá-los e têm receio de ir a um etólogo (comportamentalista) porque não têm um na sua área ou o preço está fora do seu alcance.

Como é efectuado o processo de dessensibilização de um animal?

Vamos centrar-nos nos cães, gatos, coelhos e ratos porque o seu crescimento é bastante semelhante em certas caraterísticas físicas (nascem cegos e surdos e, no caso dos coelhos e ratos, sem pêlos), enquanto as cobaias nascem muito mais evoluídas (vêem, ouvem, andam e são quase independentes).

A primeira coisa é que a mãe confia em nós, as crias prestam muita atenção ao comportamento da mãe e dos irmãos e, deixando de lado o facto de muitos problemas de comportamento serem herdados geneticamente da mãe, se a mãe for um animal que se afasta de nós, se assusta com ruídos ou entra em pânico, as crias vão aprender que essas situações, outros animais ou pessoas são “perigosos”, o que resultará em animais medrosos por “contágio”. Se a mãe nos deixar sentar ao seu lado ou dormir com ela no canil, se ela não mostrar sinais de agressividade ao pegar nos seus cachorros ou de pânico na presença de outros animais que os possam ver (sem contacto), os cachorros compreenderão que as coisas que estão a ver ou a ouvir são normais. Também não se deve confundir sentimento protetor (atacar para proteger a ninhada) com agressividade ou medo, isto é algo que por vezes acontece nos primeiros dias mas que se resolve espontaneamente quando os cachorros têm cerca de uma semana; só devemos criar com animais sociáveis que nos permitam lidar corretamente com os cachorros (tendo em conta a sua seleção e estalão, no caso dos cães e gatos).

Como já dissemos, estes animais nascem cegos e surdos, por isso como é que os dessensibilizamos se não nos podem ver nem ouvir: pelo olfato e pelo tato.

Estes dois são os principais sentidos nesta fase da vida (entre o dia 0 e o décimo segundo dia de vida, aproximadamente) e devemos aproveitá-los para iniciar a dessensibilização.

1- TOQUE E CHEIRO: É essencial acariciar, manusear suavemente e introduzir diferentes cheiros aos cachorros antes de eles abrirem os olhos ou os ouvidos, porquê? Porque são guiados por eles e, se cheirarem o nosso cheiro ou o de outros animais (cães, gatos...; sem entrar em contacto com eles, apenas que lhes notem o cheiro), e posteriormente receberem muitas carícias e mimos, vão relacionar esses cheiros com coisas agradáveis: carícias, afeto e segurança.

2- ABERTURA DOS OUVIDOS: Quando os ouvidos destes animais começam a abrir-se é muito importante introduzi-los gradualmente a diferentes sons através de gravações: música clássica, sons de trânsito, tempestades, foguetes, cães a ladrar... As crias estão calmas no ninho ou no berçário, dormem e a mãe não reage negativamente porque sabe que “não está a acontecer nada”, pelo que normalizam estes sons, que vão aumentando de intensidade até atingirem níveis “normais” numa casa.

3- ABERTURA DOS OLHOS: É o processo final: descobrem o que é que sempre cheiraram ou ouviram, aproximam-se sem medo, pedem carícias?
São animais bebés sociáveis e afectuosos que vão agora aprender a deixar-se manipular: toca-se nas patas, na boca, nos órgãos genitais...

Este procedimento continua até ao desmame e depois cabe ao dono continuar com ele através de um bom maneio e seguindo os conselhos do criador para não estragar todo o trabalho anterior.

BENEFÍCIOS DA DESSENSIBILIZAÇÃO

Quais são os benefícios da dessensibilização precoce?

• Desmame mais fácil
• Adaptação mais rápida ao novo lar
• Sistema imunitário mais forte
• Melhor tolerância ao stress
• Prevenção de fobias
• Tolerância muito maior ao ruído e às situações quotidianas
• Menor probabilidade de desenvolver parasitas ou doenças relacionadas com o stress (coccidia, E.Cuni ou ácaros)
• Maior sociabilidade com pessoas e outros animais
• muito menos hipóteses de desenvolver paralisia intestinal (coelhos e porquinhos-da-índia)
• tratamento mais fácil e mais rápido na clínica veterinária
  
  

DESSENSIBILIZAÇÃO E CRIAÇÃO FAMILIAR

A dessensibilização precoce só é efectuada na criação familiar. Este procedimento não é efectuado em nenhuma criação múltipla ou macro, uma vez que o grande número de ninhadas e de animais que aí se encontram permite uma dedicação individual a cada um deles.
Os animais que não receberam este tratamento não só são mais propensos a sofrer de stress ou de medos infundados, como o próprio centro não pode aconselhar o proprietário sobre a forma de educar o seu animal ou de reagir a estes problemas de comportamento.

CONCLUSÃO

A dessensibilização é uma prática essencial aquando da criação de um animal. Este processo é muito benéfico não só para o cachorro, mas também para os seus donos (sobretudo se forem donos pela primeira vez).